Um
dia crescemos. Um dia esquecemo-nos dos arco-íris e dos foguetões e das
estrelas e dos desenhos-animados que passavam na manhã de Sábado. Guardámos
tudo num baú e seguimos em frente com a nossa vida. De repente apareceram as
miúdas: o primeiro beijo, as primeiras gargalhadas, as primeiras carícias.
Depois as miúdas cresceram e tornaram-se raparigas: vieram os primeiros dramas,
os primeiros desgostos, as primeiras vontades suicidas e homicidas que julgamos
fazer em nome do amor. Nessa altura julgávamos já ter visto tudo, já ter
sentido tudo, já estarmos acima de todas as coisas do passado. O amor não tinha
segredos para nós. Amar era tão simples como respirar. Nesses dias o amor
passeava-se pelas pedras da calçada: em cada olhar indiscreto, ou em cada saia
subida. Os primeiros decotes faziam tanto sentido como o amor. Amávamos como
amávamos aqueles decotes. As raparigas eram tão simples, mas tão psicóticas:
queriam o amor, mas não queriam os rapazes. Naquele tempo, em que para nós o
amor era tão simples, amar no sentido feminino da expressão tornava-se na mais
terrível das dores de cabeça. As raparigas não queriam os rapazes. As raparigas
sonhavam que os rapazes fossem homens. Enquanto que nós, o lado masculino da
coisa, sonhávamos ser os mesmos meninos, reformulo: os mesmos miúdos dos primeiros
beijos, ou até do Sábado de manhã no sofá, em frente ao ecrã da televisão. Custa-nos
crescer, mas lá vamos crescendo e metendo tudo no mesmo baú. Acabamos por
esquecer as miúdas e as raparigas e chegamos à conclusão que precisamos de uma
mulher. Por vezes demoramos eternidades, mas ninguém nos pode condenar. Somos bichos teimosos; somos bichos cegos;
somos bichos lentos. Sofremos da síndrome dos meninos perdidos da terra
do nunca. Mas acreditem em mim quando vos digo que acabamos por crescer. Um dia
todos nós precisamos de entender o amor. Um dia todos nós precisamos de uma
mulher que nos ensine o que é o amor. As miúdas e as meninas e as raparigas
acabam por um dia ficar no baú. É impossível doirar a pílula para sempre. Os
primeiros amores são algumas das mais bonitas recordações que guardamos, mas
nada chega aos calcanhares de um grande amor. Nada chega aos calcanhares do
amor que é para a vida: na saúde e na doença, até ao final. Alguns de nós
demoram eternidades a entender isto, mas não nos levem a mal. A nossa bússola
amorosa é um instrumento complicado: nem sempre o Norte está no sítio certo. Às
vezes julgamos que a felicidade é maior se nos esquecermos do tempo e do mundo
e das mulheres. Somos, de facto, um bicho fodido. Mas até o mais fodido dos
bichos necessita de amor. Se nos acharem dignos: amem-nos pelo homem que somos –
e não pelo menino que julgamos ser. Se realmente formos dignos: amar-vos-emos como
se deve amar: com o coração e as tripas de fora. Todos acabamos por crescer.
Acreditem. Não tenham pressa em nos amar.
PedRodrigues
Sou seguidora assídua do teu blog e dou-te os meus sinceros parabéns.
ResponderEliminarParabéns pelas palavras, pela maneira como expressas tudo aquilo que tu sentes.
Incrivelmente vejo o meu dia-a-dia, em grande parte dos teus textos, e é isso que me impressiona.
Espero um dia entrar numa livraria e ver um livro teu à venda. É mais que certo que o irei comprar!
Continua com este excelente trabalho. :)
Sou seguidora do Blog, acho-o um espaço genial, de ideias límpidas que retratam em algumas das suas consoantes etapas por quais as maioria de nós, comuns dos mortais, já passamos...Dito Sem subterfúgios ou máscaras. Parabéns pelo trabalho com que nos presenteias!
ResponderEliminarSem dúvida um dos textos que mais gosto! :)
ResponderEliminarOs teus textos arrepiam-me.
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