Páginas

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Amar em tempo de crise


O dia em que parti foi um dos dias mais difíceis da minha vida. Ainda te consigo ouvir

-Não vás

A soluçar entre as lágrimas enquanto me vias entrar no táxi. Se imaginar com muita força, ainda consigo sentir o calor da tua pele, ou o cheiro do teu colarinho. Deixar-te para trás foi a decisão mais difícil que tive de tomar, mas era a única decisão possível. Conhecemo-nos num tempo em que tudo era mais fácil. Foram três anos de bonança. Três anos de despreocupação. Existias tu, os livros, as bebedeiras, os amigos, as viagens. Nada nos faltava e tudo nos era dado de mão beijada. Dividíamos o tempo entre sorrisos, carícias, a Torre Eiffel, o Big Ben, o Coliseu de Roma, uma ou outra discussão, fotografias e mais fotografias e nessas fotografias mais sorrisos e mais carícias. A vida parecia tão simples naquele tempo.
Quando terminámos o curso, ambos achávamos ter destruído um monstro. Terminámos de sorriso no rosto e sensação de dever cumprido. Dali para a frente seria sempre a subir: eu iria começar por baixo numa empresa, mas em poucos anos chegaria ao topo; tu abririas o teu próprio consultório e atenderias centenas de pessoas por ano. Naquele tempo o céu era o limite. Lançámo-nos aos lobos, entrevista atrás de entrevista, mas as coisas teimavam em não acontecer. Nunca desesperámos

-Pensamento positivo

Nunca baixámos os braços. Na televisão os governantes mandavam-nos emigrar, mas nós nunca o faríamos. Deixar para trás tudo aquilo que conhecemos? Depois havia a questão dos teus pais

-A minha menina

Que se contorciam só de nos ouvir falar em ir trabalhar para fora. A tua mãe que entretanto tinha descoberto aquele caroço num seio. Toda uma panóplia situações que nos prendiam às nossas raízes. Deixar para trás o meu país? Deixar para trás aqueles que amo?

-Nunca

Continuámos juntos no meio de toda aquela tempestade. Creio que se não fosses tu, teria saltado na primeira oportunidade. Mas amava-te, como ainda hoje te amo. E é difícil. Aliás, é cruel abandonar quem se ama. Dói, dói muito. Não imaginas como me sinto de cada vez que vejo as nossas fotografias – juntos e felizes -  ou de cada vez que falo contigo por telefone. Sinto aquela parte de mim, que outrora trazia todos os sonhos do mundo na algibeira, a morrer. Sinto-me a forçar os sorrisos e não imaginas o esforço que faço para manter a calma e não me desfazer em prantos desmedidos. Amar em tempo de crise é algo que roça o sadismo. Um dia sonhei casar contigo, mas um dia esse sonho foi-me roubado. Quem foram os sacanas que nos condenaram a este destino? Quem foram os crápulas que nos pisaram os sonhos? Um dia julgámos que a vida era a direito. Hoje podemos ver que não é. No entanto uma coisa te garanto:

-Não desisto

Não desisto de nós. Não desisto dos nossos sonhos. Enquanto tiver saúde e enquanto tiver trabalho

-Não desisto

Espero que desse lado do oceano faças o mesmo. Não baixes os braços, levanta a cabeça. Daqui a uns meses voltaremos a estar juntos. Quem sabe se daqui a uns anos não chegaremos mesmo a casar? O mundo está em crise é um facto. A vida está difícil é um facto. Mas quem ama na tempestade, não esquece na bonança. Não desistas de ser feliz.

PedRodrigues

5 comentários:

  1. A Cidade dos Amores é improvável e única.
    A mim trouxe-me um amor, fugiu-me dos pés (a cidade) mas o Amor surgiu com sucesso.
    Casada.
    Emigrados no mesmo país com 7 meses de dor de distância.
    Jamais desistir de ser Feliz e sempre, mas Sempre, seguir os instintos.
    Disso é feita a história de Pedro e Inês.

    ResponderEliminar
  2. Adorei, como sempre adoro os teus textos e a tua forma de escrita.
    Os teus textos exprimem o que alguns de nós sentem em determinados momentos da nossa vida. Este texto particularmente reflecte os sentimentos numa época em que somos obrigados a deixar o nosso país e a nossa familia em busca de emprego.

    ResponderEliminar
  3. Foi a primeira vez que um texto me fez chorar. É das coisas mais lindas que já li.

    ResponderEliminar
  4. Que surpresa boa o teu blog! Conheci-o por acaso, a partir de um post no Facebook e gostei do texto, não só por o considerar muito bem escrito, mas sobretudo pela carga e sentimentalidade que transmite. Não resisti a navegar por este Mondego adentro. É que na minha terra, também há um rio assim...

    ResponderEliminar
  5. Além do que está escrito ser fantástico, consegues passar o que te vai no coração e na alma para quem está a ler deste lado! Parabéns e força para essa luta que é amar em tempos de crise!

    ResponderEliminar