Este
sou eu no pináculo do meu masoquismo.
A
história é simples: é só mais uma daquelas histórias de amores desencontrados.
Nada que fuja ao banal, ao mundano, àquilo que pode acontecer a qualquer um. Às
vezes o amor acontece na altura errada. Neste caso aconteceu sempre na altura
errada. Às vezes não queremos quando devemos querer, e depois, quando queremos,
não podemos ter. Esta é só mais uma dessas histórias.
O
nome dela
-Maria
João
O
meu nome
-Miguel
Quantas
vezes os sussurrámos ao ouvido? Quantas vezes nos deixámos ficar
empoleirados um no outro? Quantas vezes vimos a lua e as estrelas deitados na
areia? Quantas vezes passeámos juntos ao pôr-do-sol? Quantas vezes reinventámos
todo o tipo de chavões amorosos? Sinceramente perdi-lhes a conta. Perdi a conta
aos telefonemas, aos sorrisos, às coisas banais e às menos banais que dizíamos
e que fazíamos. Perdi-lhes a conta porque, para o bem ou para o mal, quando
estava com a Maria João o mundo era apenas barulho, nada mais. Tínhamos tudo
para dar certo, não fosse a nossa aptidão para a autodestruição. E assim sendo,
como terroristas amorosos que somos, acabámos por destruir todas as hipóteses
de felicidade que tivemos. Lembro-me de uma vez lhe perguntar
-Gostas
de mim?
Olhos
nos olhos e de unhas cravadas na carne com medo que me fugisse. Respondeu-me
entre os dentes
-Gosto
de ti, mas…
Pedi-lhe que repetisse
-Gosto de ti, mas…
Sentia-a a contorcer-se
para que a largasse. Às vezes aquilo que julgamos ser nosso foge-nos entre os
dedos. Esta foi uma dessas vezes. Correu para longe de mim, sem olhar para
trás, sem querer saber do rasto de destruição que tinha deixado. Nada. Seguiu
com a vida dela e eu segui com a minha. Conheci outras mulheres, apaixonei-me
por uma delas e chegámos mesmo a namorar. Construi uma vida por cima da chaga
que a Maria João deixou no meu coração. Na minha cabeça cheguei mesmo a
apagá-la, mas o coração rege-se pelas suas próprias leis e nele a Maria João
continuava viva. Os dias passaram, os meses passaram, os anos acabaram por
passar também. As rugas instalaram-se, a namorada deixou de ser namorada e
passou a ser mulher, nasceram os filhos, esses filhos cresceram e no meio de
todo este processo a Maria João continuou uma sombra, e apesar de ninguém lhe
ligar, ela teimava em perseguir-me para onde quer que fosse. Foi uma sombra e
continuou uma sombra até há uns meses quando a encontrei num restaurante
durante um jantar de negócios e trocámos contactos. Desde esse dia que ela se
tornou novamente num ser material e num compêndio de complicações: divorciada,
viciada no jogo e sem filhos. O protótipo perfeito de uma tempestade sem fim à
vista, desdenhosa por um pouco do meu afecto
-Gostas de mim, Miguel?
(Eu a contorcer-me)
-Gosto de ti, mas é só
isso.
Ela a chorar, a espernear,
a berrar. A insultar-me enquanto me esmurrava o peito. Às vezes o amor acontece
na altura errada. E esta seria a pior altura para acontecer. Este sou eu no
pináculo do meu masoquismo. Um dia eu amei a Maria João e ela fugiu-me. Um dia
a Maria João amou-me e eu fugi-lhe. O amor não tem de acontecer sempre que
queremos. Há um tempo para tudo. E às vezes os tempos de amar não coincidem.
Mas a vida continua.
-Como é suposto viver
daqui para a frente, Miguel?
Respondi-lhe
- A ideia é simples: não
deixar morrer o que um dia nos deu alento.
Mal sabe ela que tive de a
matar mais de mil vezes, para um dia ser feliz.
PedRodrigues
Parabéns. Gosto muito dos teus textos e foi por acaso que 'te' descobri. Uma muito agradável surpresa. Continua a brindar quem te 'lê e segue' com essa paixão e simplicidade. Eu rendi-me :)
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