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terça-feira, 18 de setembro de 2012

Crónica pequenina sobre o sol egoísta


Entrei no quarto com medo de te ver. É verdade. Para quê mentir? Entrei devagar, espreitei primeiro, olhei bem, tremi um bocado, mas a verdade é que não estavas. Ou por outra: estavas, mas permaneceste escondida. Desfiz o malote e arrumei a roupa no armário. Tu continuavas escondida. Olhei em volta, suspirei uma vez, suspirei novamente e tu permaneceste escondida. Olhei para a parede, mesmo por cima dos meus livros e lá estavas tu: escondida nos papelinhos colados com post-its . Lembrei-me de ti. Lembrei-me de ti porque o sol esgueirava-se pelos buracos da persiana e despenhava-se nos teus papelinhos. Lembrei-me de ti porque um dia foste o meu sol. Foste o sol do meu sol e brilhavas muito. Brilhavas tanto, tanto. Continuas a brilhar, mas agora o meu quarto está escuro. Apagaste-te aqui e eu não sei se consigo viver nesta escuridão. Um dia pedi-te que brilhasses para mim. Um dia brilhaste para mim. Mas a verdade é que me cansei de girar na tua órbita, de me deixar à deriva enquanto me vias passar do alto do teu pedestal celeste. Um dia acreditei que o sol podia girar à volta de alguém. Estupidamente acreditei que o sol podia girar à volta de alguém. Continuo a acreditar que o impossível é possível porque acredito que sou feito de sonhos. Enquanto durmo tu estás comigo. Enquanto durmo permaneces escondida atrás das almofadas. Depois acordo de noite: uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes, cinco vezes. Nesse momento tu já não estás. Permaneces escondida nos papelinhos, permaneces nas caixas das sapatilhas, permaneces enraizada na roupa que deixaste por aqui. Permaneces. E enquanto eu conseguir sentir o teu aroma a kiwi e coco tu vais aparecendo pelas frechas das persianas. A minha vida continua estranha sem ti. O teu silêncio continua confuso na minha cabeça. Onde quer que estejas, com quem quer que estejas, por favor deixa de brilhar. Um dia foste o meu sol e não estou preparado para te partilhar assim. Um dia foste o meu sol e estupidamente esqueci-me que o sol não gira à volta de ninguém. Por favor não brilhes. Se levantar a persiana és bem capaz de me abraçar. E depois, como serei capaz de me esquecer de ti?

PedRodrigues

2 comentários:

  1. Não te conheço de lado nenhum e por isso peço desculpa de comentar o teu texto. Encontrei-o por acaso e a primeira reaçao que tive quando li é que podia ter sido eu a escreve-lo. Tb eu tive o meu sol.. Muito bons os teus textos. Parabens.

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