Entrei
no quarto com medo de te ver. É verdade. Para quê mentir? Entrei devagar,
espreitei primeiro, olhei bem, tremi um bocado, mas a verdade é que não
estavas. Ou por outra: estavas, mas permaneceste escondida. Desfiz o malote e
arrumei a roupa no armário. Tu continuavas escondida. Olhei em volta, suspirei
uma vez, suspirei novamente e tu permaneceste escondida. Olhei para a parede,
mesmo por cima dos meus livros e lá estavas tu: escondida nos papelinhos
colados com post-its . Lembrei-me de ti. Lembrei-me de ti porque o sol
esgueirava-se pelos buracos da persiana e despenhava-se nos teus papelinhos.
Lembrei-me de ti porque um dia foste o meu sol. Foste o sol do meu sol e
brilhavas muito. Brilhavas tanto, tanto. Continuas a brilhar, mas agora o meu
quarto está escuro. Apagaste-te aqui e eu não sei se consigo viver nesta
escuridão. Um dia pedi-te que brilhasses para mim. Um dia brilhaste para mim.
Mas a verdade é que me cansei de girar na tua órbita, de me deixar à deriva
enquanto me vias passar do alto do teu pedestal celeste. Um dia acreditei que o
sol podia girar à volta de alguém. Estupidamente acreditei que o sol podia
girar à volta de alguém. Continuo a acreditar que o impossível é possível
porque acredito que sou feito de sonhos. Enquanto durmo tu estás comigo. Enquanto
durmo permaneces escondida atrás das almofadas. Depois acordo de noite: uma
vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes, cinco vezes. Nesse momento tu já não
estás. Permaneces escondida nos papelinhos, permaneces nas caixas das
sapatilhas, permaneces enraizada na roupa que deixaste por aqui. Permaneces. E
enquanto eu conseguir sentir o teu aroma a kiwi e coco tu vais aparecendo pelas
frechas das persianas. A minha vida continua estranha sem ti. O teu silêncio
continua confuso na minha cabeça. Onde quer que estejas, com quem quer que
estejas, por favor deixa de brilhar. Um dia foste o meu sol e não estou
preparado para te partilhar assim. Um dia foste o meu sol e estupidamente
esqueci-me que o sol não gira à volta de ninguém. Por favor não brilhes. Se levantar
a persiana és bem capaz de me abraçar. E depois, como serei capaz de me
esquecer de ti?
PedRodrigues
Não te conheço de lado nenhum e por isso peço desculpa de comentar o teu texto. Encontrei-o por acaso e a primeira reaçao que tive quando li é que podia ter sido eu a escreve-lo. Tb eu tive o meu sol.. Muito bons os teus textos. Parabens.
ResponderEliminarchorei.
ResponderEliminar