Passou
pela loja e comprou uma garrafa de whiskey barato. Tirou a gravata e desapertou
o botão do colarinho. Deixou-se ficar no carro a ver o sol esconder-se atrás do
mar, afogando os minutos em goles incansáveis. Os últimos turistas saíam da
praia de sorriso rasgado no rosto e isso inquietava-o. A felicidade deles
inquietava-o.
Não
se julgava com pressa de chegar a casa. Aliás não se julgava com pressa de
nada. Ainda conseguia ouvir as palavras do patrão
-Sente-se,
sente-se. Quer tomar alguma coisa?
Ao
entrar no gabinete. Em vinte e tal anos de serviço nunca havia sido chamado uma
vez sequer. Nem uma mancha no currículo. Tudo sobre rodas, tudo nos conformes:
entrava às nove, saía às cinco, ao almoço comia a correr e às vezes nem
almoçava, se fosse preciso. Nunca havia sido chamado por coisa alguma até
àquele fatídico dia.
-Lamento
informá-lo…
Nada
de bom é dito com tais palavras. A última vez que as ouvira, a mulher tinha
sofrido um acidente de carro e estava em coma no hospital. Nada de bom poderia
resultar dali. Sentia o ar a ser-lhe sugado lentamente dos pulmões. Ninguém
sabia do seu sofrimento constante. Da sua batalha incansável com os dias. Era
uma pessoa calada, não fazia amigos com facilidade - não procurava fazê-los.
Sempre se sentira preso numa máquina de criar solidão. Todos aqueles que o
amavam acabavam por desaparecer, de maneira que se escondia do mundo com medo
que o mundo lhe fosse roubado. A vida é assim, pensava ele. E que vida era
aquela. A única coisa que o impedia de se autodestruir acabara de lhe ser
retirada. Desde os vinte anos que trabalhava ali.
-Espero
que tudo corra pelo melhor.
Mas
que poderá correr melhor quando tudo está destinado a correr mal? Não há
subidas quando a vida é a descer. Que faria ele? A mulher em coma no hospital,
nem um sinal que iria acordar. Vivia todos os dias com medo que
-Lamento
informá-lo, mas a sua mulher não vai acordar
Ela desaparecesse
por completo. O sol começava a apagar-se atrás do mar. As ondas desmanchavam-se
de bruços na areia e ele sentia-se feito de ar a cada gole na garrafa. No
pontão um pescador lutava com a cana de anzóis vazios. A vida acabava-se lá
fora a cada segundo que passava. Desligou o telemóvel e deixou-se ficar na
vontade de desaparecer com o sol. Fechou os olhos por um instante à procura de
respostas entre os espectros de luz no meio da escuridão. No meio do silêncio
da orquestra da beira-mar conseguia ouvir uma voz desdenhosa
-Lamento
informá-lo, mas…
O
pescador olhava-o atrás do vidro. E de cigarro a bailar nos lábios, com um
balde vergado pelo peso dos peixes, continuou
-Acho
que chegou ao fim da estrada.
Não
é que tinha razão?
Muito Bom! Amei! :)
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