Não
consigo. Juro que não consigo. Aliás, não entendo. Juro que não entendo. Que
queres que faça? Queres que sorria? Que queres que te diga? Preferes que te
minta? Não consigo. Apetece-me escrever e não consigo. Apetece-me dormir e dou
voltas na cama até adormecer por segundos e acordar sobressaltado com um
barulho qualquer. Que queres que faça? Tento apagar-te. Tento apagar-nos. Está
tudo bem. É tudo muito bonito. Acabámos, é um facto. Cada um para seu lado.
Cada um estilhaçado para o seu lado. Cada um no seu canto a lamber as suas
feridas. Ninguém nos pode tirar o mérito. Tentámos. Levámos as coisas até onde
pudemos. Caminhámos lado a lado e fomos construindo o nosso caminho. Fizemos a
nossa cama e deitámo-nos nela. A vida foi bonita enquanto estivemos bem. A vida
continua bonita agora que não estamos. Cabe a cada um de nós abrir os olhos.
Cabe a cada um de nós acordar. A vida continua bonita mesmo quando não estás
comigo. Mas que queres que faça? Continua bonita, só isso. Continua a passar
por mim e continuo a vê-la passar cá do meu canto. Sinto-me indestrutível por
dentro, enquanto o mundo se desmorona lá fora. A verdade é que me sinto feito
de ferro. A verdade é que até o mais forte dos ferros acaba por vergar com o
tempo. O tempo pesa, mas o tempo demora. E neste momento tu ainda dóis
bastante. Bastante, mesmo. Juro que não entendo como seguiste em frente sem
mim. No meu canto o tempo passa com os segundos, e os segundos duram
eternidades – que o digam os minutos. Não consigo. Juro que não consigo. Ainda
tentei escrever algo alegre, mas é difícil esquecer os males que nos
atormentam. Especialmente quando esses males dormem connosco, jantam connosco,
almoçam connosco. É difícil. Não sei como conseguiste seguir em frente. Não sei
se o tempo acelera quando lhe pedes. Um dia julguei que eras tu que controlavas
o tempo. E nesse dia senti-nos indestrutíveis, enquanto o mundo teimava em
desmoronar-se à nossa volta.
PedRodrigues
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