-Não sei o que se passa comigo.
No espelho a minha imagem
fragmentada entre os pingos de água gelada. As rugas e as olheiras das noites
mal dormidas. Tantas dores perpetuadas nessas rugas e nessas olheiras. No
espelho, eu. Aqui, diante do espelho, eu.
-Juro-te que não entendo o que se
passa comigo. Há três noites que sonho com ela. Três noites em que acordo e
sinto o vazio dela ao meu lado na cama. E o pior não é o vazio que ela deixou.
São as imagens com que tento preencher esse vazio. Os cheiros que carregam
essas imagens. Tudo. Tudo me lembra que um dia ela e eu, eu e ela fomos a
primeira pessoa do plural.
(-Tens saudades dela? É isso?)
-Não sei. A verdade é que nesta
coisa dos amores feridos mortalmente eu sou apenas mais uma vítima. Aqui me
estendo. Aqui fiquei. Sabes, acho que por vezes confundimos as coisas – por vezes?
Tantas vezes... Às vezes confundimos a saudade daquele amor que um dia
partilhámos com aquela pessoa, a pessoa que julgávamos ser a metade certa, com
o medo de vivermos o resto da nossa vida sem encontrarmos essa metade certa. Se me
perguntasses, há um ano, se tinha saudades de algum dos meus amores passados
dir-te-ia, com toda a firmeza do mundo, que não. Naquele momento, nenhum amor
interessava a não ser aquele amor. Naquele momento tudo fazia sentido.
(-E hoje?)
-Hoje nada faz sentido. Hoje
penso se um dia encontrarei alguém que compreenda a minha confusão. Ou que,
pelo menos, não tenha receio de a partilhar comigo. Neste momento penso se
haverá alguém que encaixe em todas as minhas imperfeições. Que entenda as cores
do meu arco-íris. Que seja bela, como ela era, e ao mesmo tempo desafiante.
Ainda há pouco ouvia a Spanish Sahara dos Foals e me lembrava dela. Foi ela que
me mostrou a música pela primeira vez. Nesse momento em que os primeiros acordes começaram a
tocar consegui vê-la debruçada sobre o meu computador, as luzes do quarto
apagadas e os olhos dela a brilharem com a luz do ecrã. Consegui sentir o
cheiro do champô dela. Juro que consegui.
(-Será que já a esqueceste,
realmente?)
-Se te disser que a vejo em todo
o lado, acreditas? Até as sobrancelhas desalinhadas eu consigo ver. Sim, que
ela tinha aquela mania irritante de as arrancar compulsivamente com os dedos.
Lembras-te?
(-Claro que me lembro...)
-Gostava de te poder dizer que,
de facto, já a esqueci. Durante algum tempo julguei que sim. Mas acho que é bom
que ela continue viva no meu pensamento. É algo que, apesar de parecer paradoxal, me dá alento. Uma lembrança de que um dia fui feliz ao lado de alguém, e que um dia poderei voltar a sê-lo.
(-Mas não tens medo que isso venha a ser apenas uma lembrança para o resto da tua vida? Não tens medo que essa tenha sido a tua última hipótese de seres feliz?)
-Sabes, uma das coisas que mais me
fascina na nossa vida é esta imprevisibilidade dos factos: o que hoje parece
eterno, amanhã já acabou. É fascinante e ao mesmo tempo apavorante e trágico. É
esta adrenalina de não saber o meu lugar no mundo, de não saber o plano que me
está reservado, e ao mesmo tempo esta esperança, este crer, esta fé que tenho em
encontrar a minha tempestade perfeita, que me faz continuar de sorriso no
rosto.
(-Mesmo quando te lembras que há
um ano estavas muito mais feliz que hoje?)
-Mesmo nesses momentos. Mais nesses
momentos. Reinvento-me, descubro-me, entendo-me. Sou um ser em construção –
como todos somos. Tenho os meus objectivos. As minhas batalhas particulares.
Talvez daqui a um ano esteja feliz - bastante mais feliz. Talvez daqui a um ano esta fase seja só
mais um capítulo de um livro. E eu sonho escrever livros, tu sabes disso.
(-Sei.)
Passo novamente as mãos pela
cara. A minha imagem continua reflectida no espelho. Sorrio.
-Obrigado por me ouvires.
(-Lembra-te: nem quando estás sozinho,
estás totalmente sozinho.)
A nossa busca pela tempestade
perfeita, a metade certa, continua.
Onde quer que estejas, nós
estamos aqui.
PedRodrigues
Wow Pedro, percorro o teu blog e desconfio sempre que publicas os desabafos do meu sub(in)consciente.
ResponderEliminarAcho que me debrucei sobre o mesmo espelho...
ResponderEliminarNunca podemos prometer amar para sempre porque para sempre é muito tempo e... o que hoje é eterno amanhã já não o é ;)
ResponderEliminarNão és o único que fala com/de confusão.
Obrigada pelas partilhas.
Adorei como sempre :)
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